quinta-feira, 5 de abril de 2012

Fresh Feeling



"You don't have a clue, what it is like to be next to you"

O sol nascendo ao fim da colina, você está caminhando contra ele em um vasto campo, os cabelos esvoaçam ao vento fúnebre da manhã, os pássaros cantam o orvalho, enquanto a grama molhada libera seu perfume de liberdade, então você acha que aquilo é o melhor que poderia acontecer na sua vida, você acha que aquilo é suficiente, aquela sensação simplória de quem tem tudo sem nada ter, de quem não precisa mais que o suficiente para continuar. Mas a vida é composta de tropeços e muitos deles surgem para um bem maior. Você caiu! Rolou barranco abaixo, como se fosse um profundo buraco em meio ao nada, deixou para trás os pássaros, o orvalho, o campo, as flores, o sol nascente... Quando finalmente abriu os olhos e enxergou que a vida vai muito além do que viver entre as colinas, sua mente fixou algo nunca antes visto e uma mutação passou pelo seu coração, correndo suas veias, trazendo aquela sensação nova...

"Birds singing a song, old paint is peeling, this is that fresh that fresh feeling. Words can't be that strong, my heart is realing, this is that fresh, that fresh feeling"

Você não se perdeu, você se encontrou, esqueceu toda a composição do mundo, porque é indescritível, então não pode dizer como é, porque é, simplesmente é e isso basta... O que você vê então? Um alguém com todas as qualidades que você precisa pra viver. Que lhe faz arrepiar dos pés até o último fio de cabelo apenas quando sussurra em seu ouvido aquelas palavras doces, que lhe segura entre os braços como se você fosse a coisa mais importante que ele já tenha segurado, alguém que os beijos beiram o paraíso e que os intercala com alegrias e motivos, e que faz brotar no peito uma vontade enorme de usar um “para sempre”, e ter certeza de que nem tudo nessa vida surge para terminar. Alguém que faz seu tempo, parar.

"Try, try to forget, what's in the past, tomorrow is here"

Você só tem uma certeza agora, que você precisa disso, você quer continuar dando os passos lentos ao lado de alguém que te segure quando você cair e que não deixe você tropeçar, rolar para dentro de outro buraco. Você estava morta por dentro e por fora, e alguém a fez viver, a fez saber que coisas boas e pessoas boas existem, que viver no comodismo, aceitar o que dizem ser possível é só questão de opinião, você agora quer voar, pois encontrou tudo aquilo que tantas pessoas procuravam, e que você acreditava estar apenas nas histórias em meros livros juvenis. Agora? Você não pode mais parar, porque não quer. A felicidade existe, afinal, a verdadeira, que tão poucos encontram. Antes você tinha momentos felizes, agora você vive ao constante encontro do bem estar, do estar bem, do dividir e compartilhar todos os sonhos, sentiu o prazeroso saber da felicidade permanente.

"Love, orange sky above, lighting your way there's nothing to fear"

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Tortura, torturando, torturado!




"Henrique". Despertei de meu sono, o corpo suado, cansado, gasto. Depois de remexer a noite toda, eu continuava escutando aquela voz clamante em minha mente, quase como um suspiro, um pedido de socorro ou uma simples jura de vingança. Me rendi a deitar-me novamente, mas dessa vez não ousei fechar os olhos, fiquei estático observando o teto mofado de meu quarto, em breves segundos dirigi minha mão à escrivaninha ao lado com certa dificuldade, onde pude encontrar um maço de cigarros barato, acendi um e traguei, senti a fumaça arder da garganta até os pulmões, e como me era boa aquela sensação doentia, bravia.
Somente após ter terminado três seguidos cigarros, até quase não sobrar o filtro, foi que me permiti levantar da cama, me dirigi até ao banheiro em passos pesados, trêmulos de sono, parei em frente ao espelho na pia, fiquei observando as minhas marcas da idade, o que minhas quatro décadas de vida haviam me tirado com a ajuda dela, a bebida. Passei os olhos pela cicatriz em minha testa, me lembrei do acidente, até mesmo ali ela fora minha companheira.

Eu estava bêbado, como de costume, retornando de uma festa, ela estava sóbria, mas eu não a permiti dirigir, meu machismo em si não permitiu. Depois de trocar ásperas palavras as quais nem me lembro mais foi que me rendi ao volante, dirigia tortuosamente pelas ruas estreitas da cidade, não enxerguei o sinal vermelho, na verdade não enxerguei mais nada, apenas ouvi o som tremido de desespero daquela voz soar em meu tímpano "Henrique", e era exatamente o mesmo som que eu passei a ouvir todas aquelas últimas noventa e sete noites em que ela havia partido.

Não conseguia mais sorrir desde então, eu já pouco sorria na época, mas agora eu tinha algo muito mais forte, eu tinha a culpa, o medo, o receio, o pesado de minha alma derramando ressentimentos em meus pés, me fazendo tremer de remorso a cada vez que passo pela nossa sala de estar e vejo na parede pendurado aquele quadro, aquele maldito quadro com aquela maldita foto, onde ela sorria, mas por trás do seu semblante podia-se notar todo o sofrimento que eu sempre a fiz passar.
Com toda a certeza ela estava agora em um lugar melhor, eu finalmente cumpri a ameaça que a fizera tantas vezes de lhe tirar a vida, mesmo sem ter coragem de erguer um só dedo contra ela, eu sempre gritava, e as palavras às vezes ferem mais, foram as minhas atitudes que julgaram sua morte, se eu não vivesse implicando e infeliz com meus costumes, nunca teria me rendido a bebida e sem render-me a tal, não teria me alcoolizado aquela noite e tirado dela o suspirar dos dias.
Agora me torturo por não poder retornar ao passado, tento me lembrar dos nossos melhores momentos, mas depois do “sim” no altar eles não mais existiram, ela conheceu quem eu sempre fui e nunca tive coragem suficiente para mostrar-lhe, não consigo me recordar se quer de uma vez ter tirado dela um riso que fosse verdadeiro, até mesmo o velho gato preto trazia a ela mais felicidades do que eu, de pensar que era linda, cheia de curvas, com muitos anseios. Eu tentei tirar minha própria vida, mas sou tão covarde que nem mesmo isso consigo, eu sou um rato, um rato de esgoto, imundo! Perdido. Vagando sem ambições e aguardando. Até quando? Aguardando que a morte tenha piedade de mim, que o destino me livre dessa penitenciária de ser eu, e me leve embora, me tirando as memórias dessa vida tão sofrida.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Borboletas no estômago



Eu sinto como se as tivesse engolido em meio ao tempo, tão pouco tempo, e a cada dia crescendo, borboletas no estômago! As sinto revirar dentro de mim, como se desejassem sair, mas uma sensação ainda assim tão boa, que me arrepia da nuca até as pernas, estremece a alma, cultiva o olfato, deglute a mente, me pertence. Vontade sua que já não passou, que chegou, ficou, que me dominou.
De repente eu quero estar sempre ao seu lado, mesmo sem acreditar no “sempre”, você ainda me faz crer em tudo aquilo que eu nem se quer cheguei a conhecer, como se fosse mais impactante, mais intenso que qualquer outro sentimento existente. Algo novo, erudito, que contempla. E logo eu que pensei nunca mais sentir esses sabores mistos de paixão e outras químicas ardorosas.
A chama permanecia, fraca, quase apagada, desacreditada, então você chegou e aos poucos a fez crescer, como um clarão reacender e me aquecer das noites frias onde encontrava meus medos, me tirou da escuridão a qual imaginei ser perpétua. Salvou-me de mim mesma muitas vezes, apenas com algum sorriso ou gesto simplório, e ainda muitas outras irá salvar.
É um gostar além do gosto, um desejar além do ensejo, um precisar além do querer. É apenas tudo aquilo que eu sempre pensei e nunca soube o quão necessário era, e que se tornou (se torna, se tornará) cada vez mais, parte dos meus dias aqui na terra e quem sabe em algum céu qualquer, ou o que quer que venha depois, pois não me entrego às crenças, mas com você o eterno ainda é pouco se comparar a tudo o que preciso compartilhar.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

"É tão estranho, os bons morrem jovens"

As pessoas vivem falando sobre a existência de um poder maior, de um “Deus”, nada contra as crenças de ninguém, mas às vezes passo a me questionar que tipo de deus é esse que permite pessoas passarem fome, ficarem desabrigadas, sofrerem por conta de doenças incuráveis, jovens morrerem e perderem grande parte da vida. Eu recebi há poucos minutos a triste notícia de que um amigo faleceu em um acidente, não era uma pessoa com a qual eu fosse muito ligada, fazia alguns anos que não o via, apenas nos falávamos através da internet, e isso faz as coisas parecerem ainda mais tristes, talvez por tudo o que eu poderia ter feito e não fiz, ter dito e não disse.
Nessa quinta eu e ele conversávamos pelo msn (assim como fazíamos quase todos os dias possíveis nessas férias), e ele estava brincando comigo devido ao fato de eu ter ido viajar, ele disse bem assim: “Pra praia e pra São Paulo você vai, agora vir me visitar você não vem”, eu ainda comentei que poderia combinar de ir fazer-lhe uma visita nas férias do meio do ano. É bastante difícil ver alguém jovem partir assim, um garoto de apenas 19 anos, com muita vida pela frente, esperando ansioso pelos resultados dos vestibulares... Pois é, parece que alguns planos são interrompidos antes de serem completados.
A morte em si já é algo bastante difícil de lidar, quando é de uma pessoa jovem então, parece pior, pois o ciclo “correto” seria ver o filho chorar no leito da mãe e não o contrário, eu fico imaginando como a família deve estar nesse momento. Apesar de não gostar de velórios e enterros, eu confesso sentir um pouco de culpa por não poder estar lá, dar um abraço em sua mãe, vê-lo uma última vez que seja, já que faz tanto tempo que não o vejo, mas por outro lado eu prefiro ter em minha mente a sua melhor lembrança, lembrar dele rindo, feliz, brincando, tocando violão e cantando, roubando comigo no jogo de cartas e tantas outras coisas boas que o vi passar.
Eu realmente não sei se existe algo depois que se parte, ou se apenas acaba ali, mas acho um pouco vago pensar que vivemos para o nada, ainda mais em casos como esse em que é mostrado alguém interrompido com aquela sensação de ser antes da hora. Eu só espero que se existir alguma coisa, algum lugar para ir depois da morte, que ele esteja em um lugar melhor do que aqui, que continue crescendo, que seja reconhecido e acima de tudo, que seja feliz!

Edu, descanse em paz.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O que eu acho sobre o Projeto SOPA?




Pra quem não sabe o SOPA significa: Stop Online Piracy Act, que traduzindo para o nosso lindo português seria: “Parar a lei da pirataria online”, tal projeto foi criado pelo deputado republicano Lamar Smith com o intuito de impedir o acesso a sites de compartilhamentos “ilegais”, usando a desculpa de que o desemprego é causado já que diversas empresas têm seus supostos negócios prejudicados por aquilo que chamam de pirataria. Agora convenhamos, existiria pirataria se a cultura e informação fossem mais acessíveis a todo tipo de público alvo? As pessoas simplesmente já gastam muito com impostos que sustentam políticos ganhando bilhões para entrar em uma loja e pagar 40 reais ou mais de um CD da sua banda favorita com apenas 12 músicas, não existe a necessidade de tal ato se na internet pode se encontrar uma discografia completa de graça.
Não acho errado o fato de se ter acesso a qualquer coisa gratuitamente na internet, informação e conhecimento nunca é demais, acontece que para um governo é muito mais interessante manter a sociedade mergulhada em uma burrice mórbida, fazem isso pelo mesmo motivo em que não investem na educação, quanto menos as pessoas souberem mais fácil fica controla-las a favor de idéias que resolvem os problemas apenas de forma pseudo, enterrando a verdade e oprimindo opiniões. Pirataria não é o real “problema”, apenas foi o meio legalizado que encontraram para, mais uma vez, tirar a liberdade de expressão das pessoas.
Apesar de ser um projeto firmado e válido apenas para o Tio Sam, outros países podem sair prejudicados, assim como estamos em luto devido ao fato do 13° site mais popular da internet, o megaupload, ter sido indevidamente calado. O engraçado é que eles prendem responsáveis por dar informação e diversão às pessoas, enquanto os engravatados do governo ficam no conforto de suas camas, comendo a melhor comida, andando nos melhores carros. Custa aceitar que temos que viver em um mundo onde compartilhar conhecimento é crime, mas roubar dinheiro público não. E se continuar assim muita coisa ainda vai rolar nesse morro. Cerca de sete mil sites encerraram seus serviços nessa última quarta-feira (dia 18), sendo este o caso da versão inglesa do Wikipédia, ou ainda alterando seu design como forma de demonstrar a oposição, como fizeram o Google e o Mozilla.
O que é necessário para realmente impedir que a situação piore? União, sim, sábio quem disse que a união faz a força, se a população não se unir, não fizer protestos, não for atrás, não se informar (enquanto ainda pode), não agir, não haverá mudança! O problema está em mudar conceitos, as pessoas ou estão acostumadas ao individualismo e puro egoísmo em pensar “Ah, fulano não faz, não farei também”, ou então a aceitação, o que mais tem sido causa das atuais injustiças, então sim, o povo tem culpa do que se passa ao redor, pode ser devido a ignorância, ou seja lá o que for, mas reclamar todos reclamam, erguer o corpo da cadeira e ir atrás de resolver ninguém quer, não é mesmo? Informação está estampada para quem quiser ver, não só na internet, mas confesso que principalmente nela. Se estamos adaptados a viver naquilo que achamos ser democracia, então deveríamos fazer jus ao nome e realmente colocar no poder o que é do povo.
Revoltante a situação em que tivemos que chegar, sabendo que muitos desses sites que podem ter sidos tirados do ar poderiam ainda estar atuando se não fosse a falta de compromisso das pessoas e a falta de convicção para correr atrás dos seus direitos, caso não saibam, é direito do cidadão ter cultura, informação e lazer sem ser cobrado por nada disso. Na hora de questionar as obrigações todos falam, mas de dar ao povo o que é do povo, aí a situação já muda de cor. O que eles querem afinal? Inutilizar a internet? Porque se a desculpa que usam é a causa do desemprego, não param pra pensar na grande onda de desemprego que pode ser causada caso diminuam o número de acessos? Não adianta, não é culpa do povo haver desemprego, isso sempre vai existir, seja em um complexo ou em outro, e não é por culpa de pirataria na internet, é por falta de motivação própria. Mas espera, desemprego? Gravadoras ganham milhões por ano, duvido que estejam passando fome ao ponto de necessitarem entrar com um projeto contra sites de compartilhamento online, é pura ambição do sistema, um complô amplo das causas perdidas.
É isso aí internautas, viciados em séries e filmes, baixadores de músicas, fãs de jogos, parece que estamos entrando em uma verdadeira 3° guerra mundial, e quem diria que ela seria virtual?

Fontes:
1)http://verdadexplicita.blogspot.com/2012/01/anonymous-ataca-sites-do-governo-dos.html?utm_medium=twitter&utm_source=twitterfeed
2)http://tecnologia.ig.com.br/projetos-sopa-e-pipa-perdem-forca-nos-eua-apos-protestos/n1597585691056.html
3)http://informationweek.itweb.com.br/6632/sopa-10-fatos-que-voce-precisa-saber-sobre-a-lei-antipirataria/

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Paralelo




Quem você imagina que vai ser daqui um ano? Ou melhor, o que você imagina que vai ser?

Existe uma cidade, se você pegar a estrada principal saindo dela, vai encontrar um lago, se seguir o rumo desse lago chegará até uma grande árvore que costuma dar flores amarelas no mês de maio, ali você deve virar na estrada de terra de encontro às montanhas, se por acaso não for encontrado ou atacado vai chegar até onde estou escrevendo essas palavras.
Não sei como o vírus se dissipou, nem de onde surgiu ou como começou, eu sei que viver no meio dessas coisas parecia mais emocionante ao assistir um trash na televisão, sentada no tapete de plumas da mamãe, entre meus irmãos mais novos e alguns amigos. Eu não sei como o vírus se dissipou, nem onde surgiu ou se quer como começou, mas eu sei tudo o que ele me tirou.
Eu estava dormindo quando senti o cheiro do caos, acordei ouvindo os gritos da minha mãe que pareciam vir da cozinha, não tive coragem de descer as escadas, somente quando meu irmão mais novo me olhou piedosamente com medo foi que criei coragem. Cada passo era um rangido diferente, ausente, e quando cheguei ao destino a enxerguei repleta de morte, seu corpo já pálido caído ao lado do corpo também pálido do meu pai, foram as mortes menos dolorosas, aquelas que eu não vi, seja o que for já havia partido.
Me senti tão gélida, tão morta por fora, sem reação, meus irmãos se abraçavam e clamavam ao lado dos corpos, e eu achando que era um sonho ruim, meu pensamento ordenava: “Acorda, acorda Angie, você precisa acordar!”. Foi ao dar um passo brusco para trás e esbarrar no copo de vidro sobre a mesa, que se espatifou ao chão deixando vestígios de seus cacos presos entre meus pés, que pude sentir a dor, angustia remoída e percebi que estava acordada e o pior? Viva.
Corri e abracei os meus pequenos, temi e finalmente chorei, não de saudade, mas desespero, eu tinha apenas treze anos, como poderia cuidar de dois irmãos mais novos sozinha? Ouvia sirenes, grunhidos, gritos, todos vindos lá de fora, mas o que mais me comovia eram os soluços sentidos dos meus irmãos, me levantei heróica, desacreditada e olhei pela janela, enxerguei tudo aquilo que eu via nos filmes, que eu pretendia um dia criar em um estúdio de cinema, era tudo real, eu quase podia tocar, monstros ou seja lá o que fossem perambulavam pelas ruas e arrancavam cabeças, moíam os corpos, os devoravam, pareciam tão irracionais.
Me sentei na poltrona me imaginando em um mundo paralelo, o que eu era agora afinal? Olhei para o sofá mais uma vez, os meus dois pequenos dormiam tranqüilos finalmente, eles não podiam entender, olhei para o rumo da cozinha onde a porta se mantinha agora encostada, o cheiro estava ficando desagradável, temi que isso atraísse outros, resolvi sair, ao abrir a porta da frente o sol nascia e a rua estava quieta, calada, descuidada.
Tia May, ela era o meu único refugio, acordei as crianças, enchi algumas malas, só não peguei mantimentos, não me atreveria entrar na cozinha novamente, corremos para a garagem, eu nunca havia dirigido um carro, demorei horas até entender os comandos, tentava me recordar de como o papai fazia para nos levar até a escola, quando me dei conta, corria as ruas, e toda a cidade estava no mesmo estado caótico.
Passamos frente a um mercado, era minha chance, estacionei e ordenei que os pequenos ficassem abaixados e não saíssem de lá de dentro por nada, o lugar estava vazio, e eu pude pegar o que tive vontade, acho que demorei mais do que o devido lá dentro e quando olhei pra trás vi um dos meus irmãos de cabeça abaixada segurando seu ursinho, me espantei e corri até ele, mas ao chegar perto me afastei, vi que por ele escorria sangue, meus olhos se arregalaram por instinto, quando ele finalmente me fitou mastigava um pedaço de alguma carne e seus olhos estavam avermelhados, sua face perdera a expressão da infância, corri para fora atordoada, e quando olhei para o carro, pendurado pela janela estava o outro, o mais novo, lhe faltava um pedaço do rosto, ele havia se tornado o almoço do próprio irmão, caí de joelhos, os senti latejar contra o chão, foi quando finalmente chorei de verdade, não apenas lágrimas mórbidas correndo a face, mas um grito alto da alma, foi quando notei que três daquelas coisas se moviam até mim, nem tão ágeis, nem tão lentos, tive vontade de ficar e morrer, mas tive medo de me tornar um deles, me ergui e entrei no carro, empurrando com aperto no peito o corpo do meu irmão para fora, sai em disparada, consegui atropelar um deles que se desmanchou no vidro do carro, eu corria, não via mais os sinais, não via mais quem era gente ou bicho, peguei a estrada, a cabana da tia May era meu único objetivo, eu chorava a culpa.
Quando finalmente aqui cheguei, chamei, ninguém me ouviu, tive medo, e se ela tivesse ido até a cidade? Estaria morta? Teria se tornado um deles? Eu entrei e me acomodei, consegui viver alguns meses pelo pouco que a terra me dava o direito de comer e até secar o poço, mas um dia eu saí para olhar o sol mais de perto do alto da montanha, e eu senti que alguém deveria agir, o último noticiário deixara claro que era um vírus, um experimento mal feito, mas fazia tanto tempo que talvez não existissem mais humanos, talvez eu fosse a última da minha raça.
Eu preciso ir, preciso ver o que há lá fora e se ainda há alguma coisa, se por acaso isso for encontrado talvez signifique que eu morri, ou ainda uma conquista maior, eu não era a única, como posso vencer seres irracionais e sem força? Eu os posso vencer? Eu terei um futuro?
Meu nome é Angie, e por muito tempo eu fui um anjo, vagando triste nas alamedas do meu eu, superando (ou tentando) a morte e os vestígios cortantes que ela queimou em mim, agora vou agir, vingar se preciso for, mas vou, eu cresci muito em pouco tempo e quero ir atrás da parte que perdi em algum lugar. Me perdoem os fracos, mas eu não vou me esconder por toda a vida.
Existe uma cidade, se você pegar a estrada principal saindo dela, vai encontrar um lago, se seguir o rumo desse lago chegará até uma grande árvore que costuma dar flores amarelas no mês de maio, ali você deve virar na estrada de terra de encontro às montanhas, se por acaso não for encontrado ou atacado vai chegar até onde eu estive me torturando por muito tempo.
Eu nunca pensei que pudesse existir algo depois da morte, agora eu sei, e é pior que qualquer inferno.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Aqui jaz…




O aborrecimento que me faz ter tormentas de humor e mudanças repentinas de anseios. A loucura que me obriga a tomar as decisões mais miraculosas. A intriga que me consome nos momentos mais indevidos. A curiosidade que eu nunca cheguei a ter, mas sempre precisei para ir além. O entusiasmo que tantas vezes joguei fora sem perceber por não conseguir alcançar um objetivo momentâneo. A euforia de tudo o que já realizei e comemorei. A alegria que construiu um grande muro em minha história e deixou marcas. A dúvida que me persegue sempre tão inquilina de mim. A apatia que me arranca com facadas a vontade de viver. A verdade que nunca me mostrou caminho algum se não a dor. A soberba que me fez ter orgulho excessivo do que nem se quer pertence a mim. A covardia que me consumiu tantas vezes por eu não ter dito o que pensava, ou feito o que devia. A pressa que é inimiga da perfeição que eu não costumo ter. A fé que pouco importa. A inveja que luta contra a moralidade e tenta estar ali, sempre presente. O triunfo passageiro. A generosidade que em passos lentos caminha. A beleza que rodeia aos arrogantes e nobres em contextos diversificados. A timidez que me prende. A liberdade que encontrei abandonada em uma esquina qualquer. O egoísmo que segue em minha sombra perdida. A mentira que ronda distraída. A paixão que arde pra cessar. O desejo que domina a mente. O esquecimento que me permite tirar de vista tudo aquilo que nunca quis que partisse para sempre. O talento que nem todos têm, que todos querem, que quem tem não usa, quem não tem sente a falta. A angustia que aperta o peito e nos lança machadadas ao vento. Só não jaz o meu amor, porque o amor só tem rigor, ele afaga e nunca cansa, é tão puro e inocente que desfaz laços sem notar. O amor está em nós e nós estamos no amor.