segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Infinita Highway


“Você me faz correr demais os riscos desta highway. Você me faz correr atrás do horizonte desta highway”. O volume do carro aumentou, a rodovia nunca me pareceu tão longa como aquela vez, e eu só me permitia respirar, afinal... “Ninguém por perto, silêncio no deserto. Deserta highway”. Olhei para o lado e ele já adormecia, como uma criança, meus olhos também pesavam, mas eu sabia que precisava dirigir mais um pouco. E eu cantava: “Estamos sós e nenhum de nós sabe exatamente onde vai parar, mas não precisamos saber pra onde vamos, nós só precisamos ir”. Foi no mesmo instante em que ele despertou, e ele me completou: “Não queremos ter o que não temos, nós só queremos viver sem motivos, nem objetivos. Estamos vivos e isto é tudo”. Nós sabiamos, aquilo... “É sobretudo a lei da infinita highway”. Me lembrei por vários segundos em silêncio tudo o que passamos, era ele sussurando em minha mente: “Quando eu vivia e morria na cidade, eu não tinha nada, nada a temer!” Mas eu sabia tudo o que ele sentia, assim como eu... “Mas eu tinha medo, medo dessa estrada”. E ele sempre me dava todo o apoio que precisava: “Olhe só, veja você!” E aquilo me fazia sorrir abertamente, sentir a brisa que entrava pela janela do carro tocar levemente a minha face. Uma sensação de liberdade que me fazia recordar: “Quando eu vivia e morria na cidade eu tinha de tudo, tudo ao meu redor, mas tudo que eu sentia era que algo me faltava e à noite eu acordava banhada em suor”. Era um delírio, eu sempre soube que havia perdido algo, mas jamais pude entender o que era, agora eu sentia, estava indo não sei para onde, atrás dele que deveria ainda estar ao meu lado, sempre estava, onde o encontraria afinal? A verdade é que... “Não queremos lembrar o que esquecemos, nós só queremos viver. Não queremos aprender o que sabemos, não queremos nem saber”. E agora ali estava eu, como ele sempre quis que eu estivesse, “Sem motivos, nem objetivos”. E ele tocou a minha mão, eu o vi mais uma vez, era um anjo! E sua voz me acalmava, me fazia não desejar desistir: “Estamos vivos e é só! Só obedecemos a lei da infinita highway”. O vi colocar a cabeça para fora do carro e gritar: “Escute, garota, o vento canta uma canção dessas que uma banda nunca canta sem razão”. Eu ria, e eu era feliz e nem se quer sabia o quanto, ele era tudo o que eu queria, mas nunca soube o quanto precisava, e ele continuava: “Me diga, garota, será a estrada uma prisão?”. Dessa vez o respondi com o meu melhor tom, no ritmo do nosso sentimento: “Eu acho que sim, você finge que não”. Foi quando eu quase parei, estava insana, ainda mais do que o de sempre, mas ele novamente segurou a minha mão e me deu firmeza dessa vez: “Mas nem por isso ficaremos parados com a cabeça nas nuvens e os pés no chão”. Mas eu já sentia medo, e ele parecia incrivelmente chateado, pronunciando em tom seco e rude como nunca o vi dizer: “Tudo bem, garota, não adianta mesmo ser livre, se tanta gente vive sem ter como viver”. Eu agora entendia, eram as injustiças do mundo que ele via, mas eu não as podia ver, porque era uma lunática, por isso um dependia tanto do outro, e aquela estrada infinita me fazia delirar, ilusionismo incompleto de alguém que quer sonhar. “Estamos sós e nenhum de nós sabe onde quer chegar. Estamos vivos, sem motivos”. E ele me interrompeu de meu próprio pensamento, mas como? Ele leu, leu tudo o que pensei, ou será que eu pensei alto demais dessa vez? “Que motivos temos pra estar?” Eu pensei em respondê-lo, mas as palavras me faltaram, assim como o ar por breves segundos, embora pudesse aparentar uma eternidade, ali estava eu... “Atrás de palavras escondidas nas entrelinhas do horizonte dessa highway. Silenciosa highway. Eu vejo um horizonte trêmulo, eu tenho os olhos úmidos, eu posso estar completamente enganada, eu posso estar correndo pro lado errado, mas a dúvida é o preço da pureza. É inútil ter certeza!” Agora aos poucos eu despertava e já sabia que era apenas tudo um sonho, olhei para o lado e ele não estava ali, olhei para o rumo que deveria seguir, o que eu vejo? “Eu vejo as placas dizendo: não corra, não morra, não fume. Eu vejo as placas cortando o horizonte, elas parecem facas de dois gumes”. Passou pela minha mente todo um filme em camera lenta, o primeiro e o ultimo beijo. “Minha vida é tão confusa quanto a América Central. Por isso não me acuse de ser irracional”. E me passou no fim do filme as últimas palavras ditas por ele a mim: “Escute, garota, façamos um trato, você desliga o telefone se eu ficar muito abstrato. Eu posso ser um Beatle, um beatnik ou um bitolado, mas eu não sou ator, eu não tô à toa do teu lado. Por isso, garota, façamos um pacto de não usar a highway pra causar impacto”. Já não via mais a estrada, virei na primeira curva, eu não iria atrás de quem me deixou algum dia, porque eu tinha o meu valor, mas como iria viver sem ele então? “Cento e dez, cento e vinte, cento e sessenta. Só prá ver até quando o motor agüenta. Na boca, em vez de um beijo, um chiclet de menta”. E foi exatamente ali que ficou ... “A sombra do sorriso que eu deixei, numa das curvas da highway”.