quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Ensejo



E quando você saiu eu fiquei parado naquela porta, eu clamei “Volta”, mas você não voltou, você chegou, devastou, roubou, humilhou, dominou e abandonou, me deixou. Depois de ter esperado duas ou três horas estático, calado, eu me entreguei ao piano, as suas notas mal tocadas pelos dedos trêmulos misturados a lágrimas. Eu me perdi. Fugi, menti, dormi, e tentei apagar da minha mente cada vestígio seu, tentei te odiar em todas as esquinas pelas quais passei, tentei não retornar aquele vago momento em que você me expulsou da sua vida com palavras tão doces e ainda assim amargas.
Eu tentei não estar no seu abraço, desfazer aquele laço que me mantinha preso ao seu corpo, sua alma, sua vida, sua ira... Eu só queria não ser mais eu, não estar em mim, não lembrar, mas como? Eu não consigo me recordar de felicidade alguma antes de você, e depois como vai ser? Foi sua presença que me fez dar cor ao mundo, som as palavras, alma a vida! Não apenas existir, mas viver, aprender, conhecer, e agora eu preciso esquecer! Eu necessito, tenho a ânsia esdruxula de quem não pode ter, me sentindo platônico e abcesso de todo o ser.
Minha vontade era ter garras, e com elas retirar todo seu acúmulo de dentro do meu peito, cravar um punhal diante ao seu leito e me derramar como se não fosse mais existir, como se o vento tivesse lhe tirado de mim, como se aquelas palavras proferidas tão diretamente não passassem de um sonho ruim, ao qual eu despertei e pensei que nunca havia encontrado uma fada, a quem amar. Quando você partiu, me feriu, deglutiu meus risos, meus brilhos, me levou para um vasto infinito. E eu se quer consigo me livrar, não posso retirar tudo, não posso apenas colocar em minha mente como uma lavagem, que você nunca esteve ali presente, apenas ausente.
Eu finalizo, já toquei todas as minhas músicas, já clamei todos meus dessabores, meus horrores, minha dores... Onde está? Por onde andas? Com quem? Por quê? Eu não devo prosseguir, você tem que me ouvir! Por favor, se não for voltar, ao menos também não me deixe, retorne nem que seja para eu me despedir, não sentir remorso por tê-la permitido partir sem ter se quer tentado impedir. Passam os dias, as horas, os segundos, só você não passa. “Vai passar, vai passar”.

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