quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Platônico

Ele passava horas a observá-la, passaria dias seguidos se não tivesse necessidades e deveres a cumprir, e ela sempre a dançar ao som da mesma música que já desgastada soava fraca, mas ela se mantinha firme na ponta dos pés da desbotada sapatilha, girando e girando em seu mundo sem parar, sobre um chão espelhado em que se via refletir, com seus cabelos loiros presos sempre naquele mesmo penteado antiquado, a maquiagem bem feita na pele alva e não tão suave, com o vestido cor de rosa apertado que delineava suas curvas perfeitas que nem o passar dos anos dera conta de tirar. A música acabava e retornava e ele ali se encontrava, deitado sobre sua cama a vendo fazer os mesmos passos breves, sem muitos movimentos, apenas a girar e girar e girar... Sem nunca cansar, não estonteava, não reclamava, também não cantava, e o som ia sumindo, ficando cada vez mais fraco, os anos passando e ela ia se dissipando, já não era mais a mesma, estava velha, gasta, diferente, mas nunca deixou de dançar nem só por um minuto se quer. Um dia ele fechou seus verdes olhos naquela visão teatral e rotineira que o acompanhara pelos seus doze primeiros anos de vida, quando no dia seguinte os abriu ela estava parada, sem cor, sem vida, mas se mantinha em pé, naquela posição de corpo inclinado, mãos que se mantinham a segurar o vestido em sinal de reverencia, tudo como sempre fora agora tão sem graça, e o som não mais tocava, nem mesmo um tilintar de sobras, nada... O garoto se ergueu da cama ainda exausto, aproximou-se da caixa em que ela se encontrava, tentou ainda algumas poucas vezes ressuscitar e resgatar todas as boas lembranças e todos seus momentos, mas por fim encontrou a desistência, fechou a caixa permitindo a bailarina se deitar pela primeira vez desde que a ganhara. Uma paixão súbita por algo que não tinha ar, não tinha alma, não tinha tempo, não tinha medo, não tinha tristeza alguma, assim como nunca sorria, ali se terminara um grande amor de apenas um.

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