sábado, 16 de abril de 2011

O Monólogo



- Clarisse, vamos andar lá fora, escalar os montes, Clarisse!
Todo fim de ano era a mesma coisa, íamos para a fazenda subir aqueles altos montes e escorregar na grama macia com caixas de papelão.

- Vem Clarisse, ali é mais alto.

E ela sempre ia além, sempre se aventurava, sempre sorria. Vivia como uma criança, vivia cheia de muita vida.

- Aí é muito alto, pode se machucar, Clarisse! Ei Clarisse!

Mas ela sempre ia onde eu não podia, buscava felicidade, não se importava com nada e nem com tudo, apenas não se importava.

- Eu avisei, foi se machucar e sujar o seu vestido, Clarisse?

E ela voltava logo com o joelho esfolado, para ela era como um prêmio, e depois de passar o ardor ela voltava a sorrir e voltava ao seu mundo, onde não era gente grande, onde era anjo, não domada.

- Não vá se machucar de novo, Clarisse.

Mas logo ela retornava, dessa vez seus lábios carnudos com um corte, a testa toda suja de terra, as bochechas vermelhas de sol, mas como sempre, nunca se importava, ela voltava e brincava de ser ninguém.

- Clarisse, sai da chuva!

A água lhe corria o corpo e lhe fazia bem, limpava a alma, purificava o seu ser, tirava dela tudo o que já não tinha, ao começar pela tristeza que eu nunca a vi sentir. As gotas pesadas da chuva eram suas lágrimas, mas lágrimas de alegria e de verdade.

- Vem pra dentro menina, vai pegar um resfriado aí fora, o vento é forte, vem Clarisse, vem pelo seu bem.

A garota ria e se contorcia para livrar-se da água, estava no balanço sonhando voar, ia bem para o alto, em segundos fechava os olhos e podia ir para qualquer lugar onde fosse uma princesa, a bruxa e a rainha, onde fosse tudo o que queria ser.

- Clarisse, vem pra dentro, o sol já vai se por.

Ela acenou ao longe, mas ignorou as palavras ditas, saiu correndo e levando consigo todas as cores do céu, que aos poucos se diluía em noite profunda.

- Clarisse, o jantar, Clarisse!

Ela não sentia fome, ela só queria viver toda sua liberdade oposta ao mundo, sentir a brisa do cair da noite, ouvir os grilos, caçar vaga-lumes, molhar os pés no rio.

- Clarisse?

Mas ela não me ouviu, assim como ninguém a viu.

- Clarisse!

Minha voz a ecoar os campos, mover as flores. O balanço vazio era controlado pelo vento. Subi os montes e cheguei ao barranco, um corpo sujo, impuro, imaturo, indesejável, não era ela, não podia ser.

- Vamos Clarisse, vamos lá para fora, quero te levar embora.

Naquela cama gélida de um gélido hospital, o ruído que vinha dos corredores, o tic tac de um relógio na parede, um vazio entre a imensidão branca, um vazio por dentro e por fora, o coma.

- Clarisse, por que sempre me deixa falando sozinho? Por que não me escuta, Clarisse?

E como resposta eu tive o silêncio.

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